Esse dedinho...

 

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ESSE DEDINHO COM QUE GOSTAMOS TANTO DE APONTAR.

Resolução de Ano Novo… Escrever um livro. Ideia tua, função tua. Sempre tiveste o dom da palavra escrita e tanto que eu te admirava e até te idolatrava. Sabes disso. O convite para fazer parte desse livro foi uma honra, mas aceitei-o titubeante. Não sabia o que me esperava, mas se tinhas confiado em mim mesmo sabendo da minha ignorância sobre o assunto, só tinha de arriscar e acreditar. Foi o que aconteceu e o esperado livro nasceu. As páginas iam surgindo quase que por magia. Mas havia sempre umas que se perdiam, frases que se riscavam e palavras que se trocavam. Umas páginas voavam e regressavam. Outras iam e por lá ficavam. O importante era a alma do livro e essa, sempre se manteve intacta. 

Ilustrar o livro, função minha e fi-lo na perfeição. Presunção minha, talvez. De versos não era sabedora, mas não me acobardei. Iria aprender alguma coisa, assim pensei. Conjugar as minhas pinceladas com os teus versos, achei quase impossível. Tinha-te como um génio a juntar letras, palavras e versos. Como iria fazer brilhar as tuas páginas com as minhas humildes telas? Mas empenhei-me, não podes negar. E, sim, com tinta e pincel tudo colori, até sorrisos. Tanta gente pôde testemunhar. Tantos louvores ganhei por mérito próprio. Não devemos menosprezar as nossas capacidades, nem as dos outros. Todos temos o nosso lugar, não precisamos guerrear. Mas, é basilar o respeito e por que não o regozijar com o sucesso de alguém ou algo que ajudamos a germinar, que vimos crescer? Dizem que todos nascemos com um dom, pelo menos. Alguns permanecem escondidos a vida toda. Outros vão-se revelando, mais cedo ou mais tarde. Quanto a mim não sei se possuo algum dom, só sei que vou descobrindo algumas aptidões que me dão prazer. E tu foste o culpado pelo meu interesse em “casar palavras”. O teu livro foi um mundo de ensinamentos para mim. Tens a certeza disso, eu sei. Tens noção que me incentivaste, claro que tens. Serei sempre grata. Ilustrei o teu livro com o coração, sabes bem. Verdade, foi um mar de brilho, emoções e sensações. De sentimentos profundos, receios, dúvidas e ansiedade. Mas precisamos confiar no tempo. E foi muito o tempo que nele empreguei. E foi tanto o que por ele eu descurei. Mas era nele que eu queria concentrar-me. Assumi um compromisso e honrei-o, penses tu o que pensares.

O livro eu ilustrei, mas não fui eu que o rasguei. Como poderia rasgá-lo? Apenas por uma razão dele me afastei e a ti uma satisfação dei, em ti confiei. Até comigo concordaste e tão feliz fiquei, apesar de estar com o coração partido. Mas de repente tudo mudou. De tudo me acusaste e o final foi o que escolheste…Um desastre! A solução? Estava apenas num pedido de desculpas que nunca chegou e no diálogo. Sempre a falta de diálogo entre os humanos...E o orgulho...E a arrogância.

Não devemos tirar ilações precipitadas, principalmente quando se trata de laços que foram criados baseados em confiança, amizade, cumplicidade e lealdade. Ciúme, mágoa, ressentimento, dor e por que não, arrependimento, são sentimentos que turvam a nossa mente e coração, fazendo-nos perder o raciocínio, a lucidez, o discernimento e, assim, levam-nos a perder, muitas vezes, o que amamos ou quem amamos. E quando se junta a inépcia é certo que, seja qual for o livro, corre o risco de se rasgar, não de ser rasgado; seja qual for a tela, corre o risco de se destruir, não de ser destruída. Ninguém que ama a arte, rasga um livro. Ninguém que ama a arte destrói uma tela. E muito mais poderia dizer, sabes que sim.

É certo que o vento levou uma página importante do teu livro. O errado, foi não quereres entender ou aceitar a razão do sucedido. O vento levou apenas para a mudar de lugar, mas tu não te abriste para dialogar. No fundo ele devolveu-a, mas tu não quiseste dar-te ao trabalho de a colar. Não te enganes com a negação… É fundamental dizermos o que nos vai na alma, mas é vital darmos oportunidade aos outros de apresentarem as suas razões, os seus motivos, ou soluções. Todos gostamos de ser ouvidos, logo, temos obrigação de ouvir. Ouvir não nos tira a razão, nem nos obriga a mudar de opinião. Não temos o direito de partir do pressuposto de que nós é que estamos certos só porque nos faz sentir bem connosco mesmos. Eu sei que assumir erros não faz parte do ADN de muita gente. Há quem prefira passar o resto da vida a tentar convencer-se de que os outros é que estão sempre errados. Deve ser um fardo muito pesado, o da razão.

As folhas que voaram e não voltaram não foram arrancadas por mim. Talvez tenhas sido tu a rasgá-las, tal era a raiva e nem te apercebeste. Não se deve tomar decisões de cabeça quente. A maior parte do que dizemos nessa situação, não é o que desejamos. Mas depois de dito é difícil voltar atrás. Muitas não sei onde aterraram, nem me interessa. As que pousaram no meu jardim e tocaram à porta, entraram sem serem interrogadas. Mas tantas outras as costas me viraram por terem sido por ti instigadas. Só me resta sentir pena de quem é manipulável. Ausência de autoestima. 

“Não acredite em tudo que ouve, porque quem acredita em tudo que ouve, muitas vezes julga o que não vê”. Provérbio Árabe

Ilustrei na perfeição um livro que nem era meu, tanto trabalho me deu, tantos dias da minha vida consumiu e ainda assim compensou, pelo que me enriqueceu e pela felicidade que a tantos proporcionou. A todos os leitores agradou, tantos elogios me valeu… Até de ti, disso lembro-me eu. Foram momentos de encantamento. Nunca se viu nada assim. Mas quando não pude continuar, ninguém me entendeu, ninguém me escutou, ninguém me respeitou. Uma tempestade se levantou, muitas páginas voaram, outras se rasgaram. E quem foi a culpada? Eu… Do bem que fiz? Ninguém se lembrou, muito menos agradeceu. Até ouvi dizer que para nada servi e que falta não faria. De bestial a besta num segundo. Quem diria? Mas acho que foi só azia. Muito me magoou, muito me entristeceu. Tanta gente me ofendeu. Mas já relevei, não sabiam o que diziam. A vida das pessoas muda, há prioridades e temos de estar sensíveis a isso. Há muito mais para além do nosso umbigo. O certo é que sem mim o livro esmoreceu, entrou em coma profundo e se calhar até morreu. Não sei. Mexeu tanto comigo que por completo me desliguei. Mas a minha dedicação não foi em vão e culpada nunca me sentirei.

Só tenho de me preocupar com os meus actos. O que os outros fazem  não é problema meu, ainda que seja contra mim. É uma questão de carácter... Não sou de rancores.

Tantas telas pintei para colorir o teu livro, que me atrevo dizer que eu era a fonte de luz do teu céu. O prazer foi tanto, que meu coração transbordou. É tão gratificante o que fazemos por amor sem esperarmos algo em troca. Temos de aprender a saborear mais as pequenas dádivas.

Da capa eu gostei, mas não, não a copiei, apenas nela me inspirei. Não é isso que acontece com todos? As pessoas criam baseadas em fontes de inspiração e isso devia ser motivo para orgulho, desde que se reconheça a capacidade do Mestre. E eu sempre reconheci. O seu a seu dono…. Sempre o teu livro elogiei, assim como a tua capacidade de idealizar. Mas essa capacidade também em mim se fez despontar, para além da capacidade de concretizar. Mas só isso não chega, é preciso trabalhar…E eu trabalhei muito, apliquei-me, dediquei-me horas a fio. Tu sabes melhor que ninguém. E nada usurpei, apenas me inspirei em algo que ajudei a enobrecer com o meu trabalho, com a minha competência. Modéstia à parte, sou boa no que faço. E o teu talento sempre enalteci, independentemente do que aconteceu. Nunca neguei e nunca fiquei com louros que não me pertencessem. Não seria justo. Também és bom no que fazes, a nossa diferença é que eu luto, trabalho….Tu preferes desistir ao primeiro contratempo e não devias. Não te deixes perder. Mostra o teu valor que é gigantesco e tu nem te dás conta. Continuas a olhar para o chão…

Queremos sempre ser donos de algo ou de alguém… Para quê? E com isso esquecemo-nos de desfrutar das pessoas que amamos e das coisas que realmente precisamos e já temos.

Sempre fui língua solta… Dizer o que penso, o que sinto. Nem sempre compreendida, até mesmo mal interpretada. Defeito meu, característica minha. Mas nunca indelicada, tampouco mal-agradecida, falsa ou desleal. Não sou coração aberto. Quem quiser entrar tem de fazer por merecer e saber em mim se manter. Quando digo que amo, perde quem de mim duvidar. Não sou de palavras vãs. Não sou de sustentar sentimentos ocos. A vida é muito preciosa para se perder tempo com perfídia e com o faz de conta.

Esse dedinho com que gostamos tanto de apontar, precisa ser educado, moldado e de preferência nem usá-lo, para que os outros, em maior número, não se virem contra nós.


Helena Santos

26-04-2022


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